31.1.07

vazio está o homem que a empurra contra o muro
os seus lábios perdem, gesto a gesto, os beijos caídos no colo despido
decepados na curva serena do pescoço
encerradas que estão as mãos como pálpebras sobre o seio arfante
nessa tarde onde jazem sombras talhadas como geométricas manchas
e bordaduras de buxo desenham alamedas na gravilha branca
de pedra são os corpos debruçados sobre um ponto de fuga já ausente
como as vozes que murmuram os planos desencontrados do momento
anti-sequência de memórias
no ano passado, à marienbad.

vazia está a mulher
encerradas as suas mãos, na sua boca rolam beijos como lágrimas
rosto calcário, fenecido
de imaterialidade oculta por um desejo insustentável
tombado sem outra vida que não aquela
que o homem teima em murmurar ao seu ouvido
anti-sequência de memórias
no ano passado à marienbad.

28.1.07



© pedro morais, 1987

esse sinal é real sobre o teu rosto, que me escondes?
irrito-me e só desejo enfurecer-te no que de mais feminino podes avistar.

os lábios para te recusar as mãos
os seios para te recusar os ombros
a linha mais segura da anca para esmagar os teus ângulos secos de homem
o colo para desejares mergulhar a boca
e mergulhar o ventre
o ventre.
então, cerrar-me no mais concâvo do corpo,
as pernas nunca despidas
e recusar o suspiro sob os teus braços.

odiar-me-ias, creio.

cobarde, fico pelo desafio cruel ao teu desejo
deixando adivinhados gestos por riscar.

(fico pelo desejo
como os passos que abandonam o espaço azul
sideral tempo de louvor da noite)




© filipe paes, 2007

27.1.07

todos nos olham sem tormento, sem alento.
vão-se horas, medos desenganados
que negra é a cor do destino do meu amor.

negra como a noite que se afogou sem madrugada
ferida pelos vultos crus
de quem passa apenas colhe ausências vis
flores indolentes

e se um plano de luz intenso ergue sombras arbóreas, solares
reflexos do planeta absorto em que nos encontramos
e se vozes secas se reúnem pelas ramagens capilares
assim definham

porque eu sou essa negrura que roubou as asas silenciosas do meu amor

e sem cor é o olhar que me reservo
a pena por tão grande dor.

24.1.07



(tinta-da-china sobre papel de aguarela, 1998)

de onde irrompem estas palavras,
rastos únicos de alguém em mim,
em quem duvido reconhecer-me?

cadências de imagens, as palavras organizam-se
sobre a geografia destes anos e,
passo a passo,
inscreveram rotas sobre a pele de todos os dias que recordo,
ao longo de tantos gestos e desejos,
no curso do reconhecimento do que me envolve,
abraça e afoga.

fábulas do desejo, da paixão
ou da morte,
as palavras que aqui grito estão encastradas no meu corpo e

ao arrancá-las para os teus olhos as decifrarem,
piso assim o limiar de todas as mortes

como se não bastasse tudo o que já morreu
dentro de mim.

23.1.07


uma boca perfumada por tangerinas

no meu jardim
de cascalho pequeno e madressilva
à sombra dos rebentos de ameixieira
(os frutos de todo o verão)

21.1.07


o disco de vinil intacto
vozes cadenciadas, ritmos secos, flores de algodão
carregadas em fardos

amontoados como dias de esperas intermináveis

vozes de há muito


sempre a música
(obrigada)






(21 de janeiro de 2007)

flores numa manhã de bruma
para ti, R.!




(aguarela e tinta-da-china, sobre papel, 1998)

20.1.07


(aguarela e tinta-da-china, sobre papel, 1998)

desenho às vezes para reter imagens
sob a escuta que as minhas mãos traçam quando olho:
o teu corpo estendido sobre uma manta branca,
ou as tuas mãos apertando um cigarro levemente.
ou o cheiro dos lençóis quando repousas o rosto nos meus ombros.

às vezes, pergunto-me do que faço delas
e perco os olhos nestes movimentos de ida e volta ao que não sei
e então escrevo:
quero lembrar-me de ti, de mim,
do odor da madeira volteando entre suspiros, beijos ou conversas
e respiro fundo os sons de um qualquer disco arranhado,
sofregamente.

mas quando tento nomeá-las, a elas, às imagens,
fico de indicador pendurado
e já só as sei vagamente horizontais, como nalgumas canções.

nunca consigo terminá-las.

não possuem rigor as minhas vistas do que somos quando nos movemos
e a cidade volteia ao nosso lado;
nem sequer quando nos abrigamos numa varanda fresca
à luz do verão para desenhar palmeiras.
e quando tento ser rigorosa,
só sou fria, destemperadamente fria,
como se o corpo já não o fosse
e os riscos se partissem inexpressivamente sobre o papel.

é então que me deixas só, ou melhor,
quando abandonas a minha solidão na direcção da tua.

18.1.07





a luz, hoje de manhã.


o rapaz que lia mrs. dalloway
durante o regresso a casa

17.1.07





(coimbra, janeiro 2006)

eis que hoje serenaram as palavras
devolvidas ao claro-escuro
desdobradas a preto e branco
pelos movimentos de um cenário reflectido na nossa memória,
local de estruturas devastadas,
corrompidas,
perdidas pelos amores de outras estórias.

as imagens,
burgos expurgados de vozes inauditas,
perpretam assim o eco do nosso olhar:

intenso como um só corpo recortado na minha pele,

forte como a dor de um único desejo,

destacando de todos os sentidos
apenas um sentimento ou tão somente um gesto,
revelando ausências,

falando, surdas,
de todas as mortes.


(coimbra, janeiro de 2007)

hoje, as imagens são tangenciais às palavras.

southern trees bear strange fruit ,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.
Pastoral scene of the gallant south,

The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.
Here is fruit for the crows to pluck,

For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.

(os estranhos frutos da ignomínia)

16.1.07


há uns dias, uma mulher espancou uma criança num centro comercial.
as poucas testemunhas não conseguiram identificá-la para a denunciar
e, ao ser interrompida, a mulher fugiu.
das muitas câmaras hoje dispostas por todo o lado
será que nenhuma registou o evento?
e, se sim, será que o centro comercial denunciou a situação à polícia?


(hibisco: género de plantas malváceas a que pertence a rosa-da-china)

para rosaarosa


(c) pedro morais

12.1.07

é quando me debruço sobre a tua pele clara
que o meu corpo curva e desespera
ao deparar com a febril tristeza
que dos teus olhos os meus colhem
como gestos à tona de um abismo.

(quisera que nenhum outro corpo de mim te arrancasse)

e, no entanto, só sei como imaginar
a tua pele à sombra dos meus cabelos,
breve horizonte de manhãs por luz e ventos transtornadas.
e se a tua boca, de paixão envenenada,
pudesse morrer sobre a minha boca
e os teus gestos, como caules, no meu corpo entrelaçados,
ah como seriam os dias desse outro tempo!

8.1.07



LX

déja vu


(c) pedro morais, 1 de janeiro de 1995

e depois das chuvas

com o verão,
o teu olhar afundou-se no negativo das imagens que já não lembro,
deixando-me só perante os sonhos ausentes da tua presença.
o vazio é a palavra que te consigo atribuir
por entre a curva que o meu corpo desenha
buscando um só gesto que valesse a pena cativar.

e depois das chuvas
vieram finalmente os dias de um outono forte.
foi a vez de os meus olhos se cobrirem de outras águas
precipitadas desses outros dias de há um tempo atrás.
como se esses dias fossem todos hoje,
os cheiros regressaram na revoada das folhas amarelecidas dos plátanos,
ébrios de névoas frescas
pelo ressoar dos rios e da cor vermelha das terras encharcadas.
por tais vestígios encantada,
a minha alma debruça-se nos rastos das tuas palavras,
transbordando pelas noites mais longas de medo
os equívocos destes cenários que me obrigam a recordar-te.
desses obscuros rasgos de uma memória subconsciente
que alguns sinais conseguem despertar,
fica tão somente o odor do reencontro
com tudo o que apenas se foi capaz de sonhar.

revejo-me então neste corpo pela morte embrutecido,
como se por tal destino
de um só olhar me embriagasse rudemente.
olhar capturado na claridade fotográfica de um relento,
cravado na pele transparente:

presságio da dor ainda inexistente.





coimbra, sé-velha, 6 de janeiro de 2007
(c) pedro morais

fotografias feitas em surdina

sentei-te no meu colo onde te aninhaste, outra vez pequenina.

sombras na arcaria em contraponto dão-nos cascatas de harmonias
caídas como a luz perdida dos petardos de ano novo e nós escutamos

caules ávidos
os olhos translúcidos como taças
corolas de fragor antigo nas paredes, flores de talha
voluptuosas e sombrias sobre o vidrado da geometria moçárabe
assinalando altares, o verso da porta de pedra imaculada
indicando o poente

e eu abracei-te no meu colo, outra vez pequenina
e foi lá que nos embalei por tonalidades misteriosas
cantos masculinos sobre um perdido deus menino
como quem se embala num navio assolado por vagas obscuras

e imensas

as tuas mãos mergulhadas nas minhas,
feitas ouro, incenso e mirra
em dia de música, em dia de reis
onde a esperança é o lugar deste abraço tão apertado
a nossa pequena e luminosa história.

hoje não tocaram alaúde, violeta ou sanfona
a pedra era pedra sob a cerâmica
ou sob o oiro vegetal da talha
e o arcabouço da velha sé albergou vozes como cordas
olhares como caixas de som
ecos doutros tempos adormecidos.

7.1.07



(aguarela e tinta da china, 1992,
publicado na revista da Companhia de Dança de Lisboa)

eis-me face ao teu rosto claro:

o meu corpo quebrado como uma planta recentemente colhida.
a boca entreaberta, apavorada,
fugindo da tua pele,
perdendo-se nos teus cabelos,
quasi abandonada pelo teu cheiro embriagada,
enforcando-se no rasto do teu olhar,
para sempre encerrada nesse desejo de te beijar.

e os meus olhos,
em cujo destino busco o movimento irresistível:
as pálpebras cerradas como da noite se tratasse,
erguendo-as lentas e sossegadas,
deslumbrando um olhar como único dia,
para que nele a tua vida afogasses.

e os meus olhos venenosos,
buracos para que em mim te debruces,
fatais e sem outro destino
que não o de um tombo eterno e sem retorno.

e os meus olhos entristecidos.
e os meus olhos sós.
deles fugiste como se do diabo se tratasse.

5.1.07



(estudo, tinta da china e lápis, 1992)

fixa-se na vidraça o reflexo bamboleante das luminárias urbanas
vozes de giz partido enchem a carruagem do comboio
em que me adormeço
e, soturno, metálico, chega o almocreve dos desamores cíclicos a que me voto
indolente

(as mãos suam tintas de jornal
butterflies, sussurra-me o ventre)

e por instantes desassombrados julgo escutar
l'ascenceur pour l'échaffaud

(miles away from you, sussurra-me o vento)

porém, traz hoje dias como ardósias quebradas
onde baloiçam os estranhos frutos da ignomínia
rejubilam vermes com o temor dos homens renovado
sustentam-se trivialidades no bafo húmido das crónicas
trocam-se trunfos, medem-se armas
negoceiam-se tormentos assassinos.

(oculta-me a noite o ponto de fuga deixa-me o desalento)

fere-se na vidraça o reflexo decomposto do meu rosto
no regresso a casa
há horas em que estar feliz

é quase complacente ausência

3.1.07


(c) pedro tudela

o lugar para o afecto enraizado
e perene.



(c) pedro tudela

(sim, para sempre.)

1.1.07



um bom ano para todos os que por aqui vão passando
desconhecidos ou amigos

um bom ano também para os meus bloggers favoritos
antónio figueira, no cincodias
josé pimentel, no ma-shamba e no semestrada
luís januário e andré bonirre, n' anaturezadomal
pedro morais, no semdatamarcada
laura, no photomaton
rosi
(por onde andas tu?), no rosiblogue
margarete, no acknowledge (or whatever) thyself






sou como um assassino ao sol,
aqui, à tua espera:
condeno-te à morte mais eterna que encontrar em mim.

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