31.8.07



(biblioteca da universidade de aveiro, projecto de álvaro siza vieira)


"language becomes a form of light while light becomes a language"
steven holl

"language sometimes becomes a form of darkness

while light may always become a language"
margarete

"language is a virus" atrib. William S. Burroughs

26.8.07


© kiasma

uma luz intensa perfura o olhar
a nuca requebrada sobre o estofo gasto
estendendo em arco a linha do pescoço
essa linha que desenho no canto da página branca
do caderno de argolas de capa preta
as mãos entreabertas cruzadas sobre os braços
sustendo a arcada óssea
amparando o ritmo da respiração cansada

e sinto
o vento límpido agitando as ervas secas do planalto
as pedras surdas as pálpebras semicerradas
a luz que se desfaz antes da tempestade.

mas, numa outra hora
colho grandes braçadas de branca gypsophila.

21.8.07




(caneta sobre papel, agosto 2007)

as mulheres que imagino
no comboio, ao olhar para elas.

14.8.07



(tinta da china sobre papel, 1984)


hoje o dia ficou de novo azul

como a água parada na tina onde banharas a face cansada
como o declive cavado no corpo pelos teus dedos em busca das minhas mãos lisas
como quem afaga a secura, como quem assim se sacia

e é tarde meu amor para o habitual passeio na palma das sombras que nos abrigam
é demasiada a tarde em que me desenlaças a cintura
e ninguém me saberá dizer de novo o teu nome
levado por inclemente porvir
neste tempo de marés-vivas
deixando vazia a casa
o areal varrido pela ventania.


10.8.07


(tinta permanente e tinta-da-china sobre papel, sem data)

tenho as mãos magras cavas
as artérias inchadas

a vista olheirenta
os lábios encarniçados
a pele transparente
o corpo cadente

o teu olhar ausente.

8.8.07


(tinta-da-china e ecoline sobre papel, sem data)

é tarde quando atravessas a praça da oliveira
é talvez outono, ou mesmo inverno e
atravessas o ar gelado de braços cruzados sobre os livros
os seios ainda pequenos
a passada rápida ao largo do vão de escada que cheira a urina
antes dos degraus de pedra gasta, antes da secretária de empréstimo
antes do vidro que é porta
antes da biblioteca.

é uma rapariga essa que atravessa o amplo o sobrado
e que se acocora junto das estantes
junto ao outro sobrado que nunca pisará
o-dos-livros-para-adultos
(o dos livros que lê em casa ou que a avó lhe compra na casa havanesa)
a luz é esparsa, absorvem-na os tectos de maceira pintados
absorvem-na as poeiras, o cheiro a papel, as encadernações manuseadas
as palavras impressas
interlocutoras e suporte de um anseio desconhecido
conformando o olhar, a voz, o vazio que a levará para longe
e que dali avisto como se fora de uma outra vida.

no verão seguinte, a mãe ofereceu-lhe o tubo de máscara negra
que lhe afundará ainda mais o olhar
o pai a câmara fotográfica
o sentido da luz e as vertentes do obscuro

(e ficas só)

as sessões de cine-clube, as matinés
os cantares de amigo quase sussurrados a quatro vozes
em noites de verão no claustro descoberto ao luar
tendo como ouvintes o lajedo, as gárgulas, os fustes desfolhados
os arcos de pedra sequenciando vozes nos inversos reflexos do dia-a-dia
suspensa a alma nas linhas melódicas das canções heróicas
as palavras plenas do futuro.

6.8.07


(tinta-da-china sobre papel, 1983)

2.8.07


© zp

deitada na beira-rio
esqueci as sombras velozes que varreram
o esquálido corpo da cidade enquanto te ausentavas devagar
devagar. proliferam incêndios de verão


e o verão também ele por mim perdido.
arde o estio que pressentirás apenas na pele rouca

nos ventres curvos das raparigas
nos pés varridos pelas sombras cinzentas das nuvens
e expostos ao vento

à esparsa tonalidade do desejo
entorpecidos.


(tinta-da-china sobre papel, anos noventa)

Purga no Museu

A directora do MNAA foi despedida. Depois de ter posto o Museu nas primeiras páginas, de o ter aberto a novos públicos, de ter organizado grandes exposições internacionais, de ter obtido financiamentos que o IPM desviou, Dalila Rodrigues foi chamada, no primeiro dia da silly season, ao aparatchik do bloco central e à ministra do Joe Berardo, para ser despedida. Acusada de "divergir publicamente do governo" Dalila é humilhada, como outros o foram antes, por estes mesmos protagonistas, perante o usual silêncio dos intelectuais, o silêncio de que falou Steiner.
Não sei qual é a política de Bairrão Oleiro e Pires de Lima para os Museus. Se é fechá-los aos fins-de-semana e esvaziá-los de recursos, então, claramente, Dalila destoava.
Sem Dalila ficamos mais tristes. Mas onde quer que esteja, Dalila Rodrigues estará sempre onde os cínicos que a substituiram nunca chegarão.


Luís Januário in http://anaturezadomal.blogspot.com/

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