23.11.08


trazes o semblante das pequenas ausências
sentas-te na mesa usas palavras de pelica levanto-me
penso na nuvem de papel de arroz na crina gasta do pincel
sobre a boca a tinta-da-china uma atadura de estopa tecida de silêncios
passo a passo atravesso na longitude o passeio que de ti me reserva
ficas parado
no contracampo movem-se árvores o gradado que circunda o jardim
passo a passo atravessa-me a tua respiração como uma lâmina
sinto o fôlego da falésia o arremedo da fraga por momentos
é como se não percorresse estas artérias
como se não estivesse retida no tráfego das palavras inúteis
nos advérbios de modo
e fosse a nuvem de papel de arroz sob a crina gasta do pincel
a boca os olhos a tinta-da-china a velatura
o desassossego.

17.11.08

16.11.08

poderia remeter-me ao desamparo agora
até que uma palavra me varresse o diafragma
ah como a luz coada do meio-dia
o outono quase termina caem folhas hibernam ervas ramagens
é de cobre o castanheiro plantado à sombra dos infantes
velando o meu corpo
como água de cal
como quando não respiro
como quando me calam os teus lábios o outono quase termina
adormecem prados lameiros bosques e matas
no jardim recolho folhas secas preparo a cama de húmus
tenho mãos de prata
une jeune fillette s’endort sur terre
sinto em mim a secura do inverno que se aproxima.

11.11.08


fotografia e crónica aqui
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A Barrela
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O rio Olo, um dos últimos rios impolutos de Portugal, recorta o Alvão contando pontes velhas de aldeias de pedra até se precipitar caudaloso nas Fisgas de Ermelo, Mondim de Basto, numa queda de água de beleza rara na Europa. Maravilha tal que locais levaram uma moção à assembleia municipal, propondo a candidatura da mesma a Património Natural.
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No entanto, de pouco pode ter valido a aprovação por unanimidade em torno daquilo têm como valor acrescentado. No País West Coast da Europa, o interior é apenas uma enorme fronteira até Espanha como se o risco fosse dessa largura. O Plano Nacional de Barragens tem projectadas 5 barragens para o Vale do Tâmega, que farão de toda aquela bacia um açude gigante. Pior, uma delas, desviará o rio Olo para alimentar uma outra, de Gouvães, a cargo da Iberdrola. Diria a cargo, porque para lá caminha. O período de discussão pública que teria um ano, foi, em manobras por detrás da cortina, encurtado em meses. Milagre do Simplex da conveniência em nome de favores maiores, será tudo entregue nas mãos dos concessionários já em Dezembro.
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Assim que o betão começar a frenar a garganta, das Fisgas do Ermelo não se verá mais que um fio de água fragas abaixo, e do vale do Tâmega pouco restará dele escavado por um rio. Muito da nossa identidade paisagística e património colectivo completamente alagado. O que era natural dará lugar ao impacte artificial de uma albufeira de falsas promessas, à distância e a bem da alumiação do Portugal filho e no que resta em desgraça ao Portugal enteado.
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Vítor Pimenta

assinar a petição, aqui
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10.11.08


© filipe paes

9.11.08

8.11.08


a água corre pelas pálpebras pelas pontas do cabelo
curva na escápula nos seios no ventre nos joelhos
contorna as palmas dos pés liberta-me o semblante
sento-me no chão e penso
deveria praticar ioga
erguer-me como uma árvore assimétrica na torrente
de quando em quando o vento arrancar-me-ia uma ou outra ramada
talvez me cobrissem heras ou vinha virgem
não usaria de palavras não as escutaria.

agora que somos todos Americanos indubitavelmente mestiços
só nos falta sermos todos Mulheres
talvez daqui a quarenta anos possam os nossos filhos dizê-lo
pois que nessa matéria a cor da pele não revela diferença
ressalvo que quando falo de Mulheres não falo
daquelas que se portam como homens
e que nada tenho contra os Homens
estou é tão cansada destes tempos vagarosos
onde ainda é possível apedrejar raparigas velá-las como corvos
incendiar-lhes o sari pagar-lhes um salário inferior por igual trabalho
cansada dos parlamentos masculinos das escolas da misogenia
dos estrategas que nos vêem como enfeites para garantir respeito e votos
cansada da bem pensante esquerda da iluminada direita
de todos os que esperam que nos comportemos
com gravidade e circunspecção masculinas
sem histeria dizem condescendentes
as mulheres refilam choram têm síndrome pré-menstrual engravidam
aborrecimentos que perturbam o ideário da gestão asséptica inócua
e muito produtiva - uma meta em alta
estou cansada das mulheres que podendo não compactuar com tudo isto
preferem a tranquilidade dos direitos adquiridos
são melhores os tempos de hoje que os das suas avós e mães mas

só nos falta sermos todos Mulheres digo eu que sou impertinente
que não me calo.

às vezes quando se me escurece a alma penso
deveria praticar ioga
erguer-me como uma árvore assimétrica na torrente
de quando em quando o vento arrancar-me-ia uma ou outra ramada
talvez me cobrissem heras ou vinha virgem
os pássaros alimentar-se-iam de pequenos vermes e insectos
estranhos líquenes tomariam o meu torso

não usaria de palavras não as escutaria.


© rosi

7.11.08

de que se vive quando se cerram os olhos
de que se morre quando o desejo os fendilha
de que se sobrevive se me armo à prova de bala

e tu te despojas de fragmentos
nada mais do que a tua pele exposta
o deserto de sal cujo sopro nos queimará os lábios?

repito não sei de bálsamo que nos repare
nem de palavras vertebradas que sustenham os quatros palmos de uma passada
não há ponte nem passagem
não há estilhaço que nos cegue nem treva que nos ensurdeça
não nos é reservada a quietude.

5.11.08




Outro dia raro, inteiro e limpo.


Aconteceu.


Um passo em frente


Previsto há 40 anos


HIP HIP HURRA!!!


É impossível não me permitir também a audácia da esperança

2.11.08

espero lá fora o frio que me deixa a pele seca seca
os poros apertados
as unhas quebradiças
aguardo a baforada de vento que dissolverá a tua voz
na rua está escuro são horas de ir ao pão já não brilham estrelas
perguntas porque te deixas assim inerte inchada
porque não buscas agasalho
porque fazes tantas perguntas em silêncio respondo eu
lá terei de colocar os auscultadores para garantir a barreira de som
o filtro cinematográfico que a música traz às imagens propagadas na retina
às vezes na estrada o Wenders mas também
dead man do Jarmush na sala vazia do Teatro Académico
outras no mar que me ondula o cabelo
e la nave va
felliniana encosto a testa na vidraça da locomotiva busco o meu reflexo
vejo mulheres com cestos carteiras de napa ramos de flores
rapazes e raparigas abrindo os computadores portáteis
sou um corpo estranho
imagino-me vestida de xadrez parto para longe vou trabalhar
sorrio mas não falo nem sempre ouço
às vezes nada mais vejo que o movimento das colinas no écran de vidro
fico coberta de pó de folhas mortas agora que veio o frio
embaciada para gáudio das crianças
grafitam-me rebuçados flores mistérios impressões digitais
ajeitamo-nos nos bancos finjo que durmo às vezes
o sol atravessa-me os olhos quando me sento no contrasentido
a tagarelice das crianças também
corrijo o baton vermelho revejo matérias escolares
se estivesse mais frio e não houvesse tantos eucaliptos
poderia imaginar-me no Connecticut
mas isto é só porque acabei de rever Manhattan
porque noutras horas chove como só em terras de sua Magestade
noutras sei apenas como caminhar sobre argila.





(lápis, aguarela e tinta-da-china sobre papel, novembro 2008)

o silêncio, ainda.
eu, por aqui, sinto-me mais só.


ma-shamba

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olivesaria

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tempo contado

1.11.08


(ecoline sobre papel, 1985)



hesito

aguardo que os dedos se movam pelo gume das palavras
que a escrita não se resguarde nos vazios da casa
a soleira da porta onde se deita o cão
o contraluz do envidraçado na saleta junto à cozinha
a cadeira de convés numa tarde longínqua
o arco do silêncio
um lugar nunca fugaz
nocturno.

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