30.7.09


© álvaro rosendo

mais tarde o corpo cansa-se e procura o encaixe
que devolva o soco e consolide estilhaços assim como um airbag de silicone
pacotes de férias nas termas ou nos trópicos mais distantes

na companhia de opiáceos e de analgésicos boiando nas águas do recife
em empreendimentos energeticamente certificados
onde se degustam iguarias ecologicamente confeccionadas
copos de uísque velho sem gelo e os politicamente correctos charutos de Havana
promessas de sexo musculado bordões de misogenia nos outdoors

frente ao vidro faço o risco que assinala a pálpebra e se alonga até às têmporas
de um lado ao outro delimita o curso do escalpelo cravo-o fundo na memória
allumeuse ou puritana porque não me lembrarei eu
de outras definições em mim apostas
contraditórias cegas clarividentes armas de arremesso
shadows have the saddest things to say canta a Mitchell
esta é uma daquelas noites em que me atiro contra mim própria
uma vez após outra e ainda outra sem que se rompa a pele ou quebrem os ossos
sem que vença a aridez de uma esfera que se rarefaz a cada embate
poderia antes gritar se fôlego houvesse

na casa das magnólias onde há um arquivo de repartição
cujos compartimentos de madeira albergam
discos de vinil uns dois milhares alfabeticamente organizados
a música que R. juntou e que se escuta no cansaço da madrugada
digo para mim própria
poderíamos dançar
antes de adormecer no quarto do sótão
e acordar rindo de todos os clichés
abandonando o pudor do déjà-vu
posando para o fotógrafo que se deitara no sofá
tem os olhos semicerrados
mede a luminosidade na penumbra
antes de disparar.

27.7.09


© álvaro rosendo

20.7.09

não serei
dedicada submissa esquecerei
todas as instruções para a limpeza do lar falharei
as poupanças o mutualismo
a pedicura as unhas de gel o peeling a musculação
chegarei tarde
partirei cedo nos jantares casamentos baptizados
será junto de outrem que me sentarei
serei impulsiva ignara
percorrerei desassombros sem referência
não estarei disponível não tomarei a pílula
ansiarei por todos os preliminares amarei
os filhos de um amor não passível de clausulado
não disporei de património herança promessas eternas
em vão buscar-me-ei por entre sonhos e escombros
para que em vão saibas como reconhecer-me
como perder-me enquanto me pergunto
porque razão haverás tu de querer-me
não serei um bom partido
assim velha gorda distante mal-humorada
ávida
tantos adjectivos para uma só pequena pessoa.


© álvaro rosendo

13.7.09

X.



(caneta sobre papel, julho 2009)

the age of innocence. de martin scorsese

11.7.09


(caneta sobre papel, 1986)

8.7.09



© pedro tudela, in [me...mo]


num quarto de hotel apoiada no esqueleto da vidraça
registo interiormente o movimento que fazes
o estado das coisas tomado de um balcão descarnado
o reflexo da lâmina sobre as axilas
um braço tombado ao longo da nuca
a banheira que transborda sob a massa do corpo
o tanque feito estendal de intimidades absurdas
o cabelo molhado short-back–and-side
o espelho sobre o ladrilho
as camas de solteiro
o banco das malas
o caixilho que se entreabre e depois outro e outro
o rumor que percorre os corredores.

dizes este é um poema a preto-e-branco
digo este é um poema com atraso
corro como alice atrás da vertigem
asfixio desaperto o vestido calço e descalço os sapatos
corrijo o batom eu sei
um fait-divers
e tu aí sim és tu quem interpelo

slow motion.
still life.

7.7.09




let the seasons begin

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