25.9.06



hoje chove.

ergue-se alto o castanheiro que ensombra o velho palheiro
tem a idade do rapaz que nele se abriga
indiferente ao chamado cansado de quem o procura
nessa tarde abafada

não ouve as risadas das raparigas que, no desvão da escadaria de pedra branca
aprendem bordados e tecem fados
nem escuta a campaínha da bicicleta vermelha
que tomou o lugar do som dos rolamentos do carrinho de madeira
construído pelo velho marceneiro
e está longe de se aperceber que o pato, o perdigueiro e o gato
se enroscam no borralho

pelo rêgo de água descem barcos de papel
descem vagas ruidosas que movem as pás dos moínhos de cortiça
vagas frescas onde bóiam folhas como jangadas
enquanto as mãos da criança tranquila enfeitam de heras floridas
as madeixas desbotadas de uma boneca de pano

antes da desfolhada

antes dos sinos e das trindades
dos caules arroxeados dos lírios venenosos
das bagas vermelhas do azevinho que não floresce em dezembro

antes da tempestade.

hoje chove.
e nenhuma voz descobre o silêncio que trago em mim.

22.9.06



e a idade graciosa de todas as figurações
onde todos os projectos são possibilidades passíveis de exploração e festa...


(c) pedro morais

21 de setembro de 2006

quinze belos anos!

21.9.06



20.9.06

porque se ligam as memórias
a imagens como esteios de granito
em sucalcos no meu corpo encravadas,
as palavras como o seio de uma linha de água
onde o olhar é o murmúrio que descobre a alma,
apontamento cartográfico para o rumo
do que se julgara perdido?

(e que seres em mim escondidos
despertaram a roda das infantas
que nunca de linho branco se vestiram e de flores
a cabeça ornaram
apesar do desejo, da vontade e das mágoas?)

que palavras foram essas
que albarroaram o teu coração,
alinhando, serenas,
a desconstrução das ausências previsíveis
e dos desamores vividos?

e se, em cada amanhecer imerecido,
colhesse os seus votos como orvalho,
ser-me-ia permitido escutar ainda
as palavras que não se dizem?









a beleza apanha-nos sempre desprevenidos...

18.9.06


serra da lousã, 17 de setembro de 2006
(c) filipe paes


imagem feliz de um dia inesquecível:

não sei qual coração batia com mais intensidade
se o do jovem corço de passo altivo,

se o meu, emocionado, ao avistá-lo

13.9.06




(c) pedro morais

o outono a chegar

carregado de névoas perfumadas
e brisas endiabradas que nos transportam os últimos sons da azáfama estival
folhas secas crepitando sob os passos na velha mata
o ar límpido que veste a serra, enche os pulmões e apura os sentidos
as fogueiras que no relento do final da tarde
lembram o aconchego de uma manta de lã antes da madrugada

o excesso de tonalidade

11.9.06


(c) maria 2006

depois dos filmes de cowboys, do zorro e dos livros de j.austen
os subúrbios dickensianos no desenho da cidade imaginada
reencontrada no Porto quando estudante:
velhas usinas cohabitando no cadastro medievo com a ruralidade camiliana
que apenas se adivinha por detrás de um muro no fundo de um qualquer beco
as fábricas ao lado dos portões das quintas
as casas apalaçadas no resguardo da sombra de uma calçada

e na cidade burguesa e altiva
as empenas de chapa enferrujada conformando a arquitectura
feita por componentes de granito
as ruas corridas por fachadas falsamente escuras
de vidros sujos e caixilhos delicados
onde se reflectem brumas como madrugadas inesperadas

o douro por vezes

por outras as dunas depois das vagas da foz
as magnólias debruçadas nas ruas de granito escorregadio

(haveria se calhar antúrios, camélias, jacarandás, plátanos e tílias...)

papoilas não, por certo. essas avistavam-se da janela da camioneta
que passeava até ao alentejo para registar sobre cadernos de papel
os desenhos uma outra luz

6.9.06





trocam meias-palavras
transmitidas por telefones analógicos
sim, daqueles pretos, arredondados
que trocam palavras mas não olhares

e não sabem quem são
esses estranhos que numa outra hora
articulam novas palavras por inteiro
abafadas pelo ensurdecedor movimento da cervejaria
um olhar amarrado ao outro por voraz identificação

goya, falam de goya e de satie
(é tudo o que importa lembrar)

e depois da chuva e da casa de chá
está frio na senhora do monte de onde se avista a foz
o casaco comprido sobre a pele de sereia
e o olhar mais brilhante (o mais luminoso)
trazem significados desencontrados
aos lugares adivinhados de um tempo impossível

e nenhuma qualquer outra palavra possível sobrevive

estranhos, os pontos que constroem a rede
das memórias que nos ligam

os elos assim formados
moldam-se ao tempo, embora este
também por eles receba forma

e pelas ideias identificação

longe, mas perto.
sempre.






(setembro 2006)

5.9.06


(c) pedro morais


respiro, antes da noite

azul
respiro

casas descalças, caixas brancas de adobe esburacado
pátios à sombra da vide

a tarde
num alguidar de zinco onde bóiam barcos de rolha

o empedrado grosseiro por onde escorrem as escamas brilhantes
vindas do esgoto da fábrica de conservas
o cheiro a peixe

o empedrado por onde escorregam as vozes das crianças
o perfume a mar

respiro

4.9.06



(agosto 2006)

antes de a noite chegar

1.9.06

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