31.1.08


© margarete

na entrada do quarto encontro troncos de árvores que
como vasos sanguíneos atravessam o chão que me ampara
e o tecto que me cobre
enquanto afasto do meu olhar folhagens imaginárias.
quando chegar o último sono de inverno
por entre as sombras da mata e o voo dos corvos

quero sentir os teus joelhos dobrarem as minhas pernas
enquanto me abraças os ombros a partir dos cotovelos desarmados
inclinar o rosto sobre o teu peito e sentir as tuas mãos recolherem
da minha face a caligrafia dos terrores diurnos

e sentir na pele a luz a terra húmida e perfumada.

23.1.08


(1989, caneta e aguarela, sobre papel)

scarlata.

21.1.08

hoje, para R.

sabes rosa, tu que o és apenas no meu peito
rosa do leste maria do rosário
rosa só para mim

digo-o quando me sento no quarto onde adormeço
e chove como só no Porto se te ausentas
nesse quarto onde desenho e pinto
onde crescem dunas de areia no tabuado se voltar a Espinho
onde cheira a grafite a têmpera a cordas
às grades de madeira construídas nas oficinas do jardim
tu que és rosa da china rosa das sombras
cresces no meu corpo como um líquene
ao som da new wave

longo perdura o nosso amor assim


© pedro morais

18.1.08



quando te encontro assim de repente quando não me olhas

olhando-me nas palavras de outrém
quando estás aí do outro lado não estando
quando és o lótus a cal
seis graus de adobe o mar.

17.1.08

contra a lapidação

"El artículo 104 del Código Penal iraní describe que la pena con la que se castigará el "delito" del adulterio será la lapidación. Para ello se usarán piedras "no tan grandes como para matar a la persona de uno o dos golpes, ni tan pequeñas como para no poder considerarlas piedras". En el artículo 102 se detalla que para ejecutar este castigo, en el caso de un hombre, se le enterrará en el suelo hasta la cintura, y en el caso de las mujeres, hasta el pecho.

Amnistía Internacional lanza hoy el informe contra la lapidación en Irán, mientras, al menos 11 personas, están condenadas."


assinar a petição

16.1.08

escrevo agora enquanto as nuvens são tomadas pela luz do meio-dia
busco palavras no peito procuro as folhas que te cobriram nos passeios
entretanto levadas pelas mulheres da limpeza

classificadas pelo burocrático amanuense
pisadas pelos estudantes pelos cães por todos os vadios incineradas
expurgadas pelos homens de sobretudo escuro que fazem sérias assembleias
homens grisalhos tão garbosos na sua meia-idade
acompanhados de mulheres tão elegantemente vestidas de fazendas masculinas
italianas por certo os sapatos também
decoradas por ouro coral pérolas
pelo rubor de uma pele esticada durante horas de ginásio
tão bem que me toma alguma inveja de secretaria
tanta que sinto as penas dos corvos crescerem pelos antebraços
rompendo a derme e a epiderme
enquanto cresce o nariz adunco qual bico necrófago
a voz articula silvos arqueia-se-me a coluna
perco o ar.

fujo.
passam dois anos enquanto escrevo engordo envelheço sorrio
desenho as nuvens tomadas pela luz do meio-dia
busco palavras procuro as folhas que te cobriram nos passeios
antes que seja tarde tarde
antes que morra o meu coração
nesse espaço de artérias entupidas.

13.1.08


parto reservando um lugar no contra-sentido para melhor me poder afastar
enquanto a locomotiva curva no dorso das colinas preguiçosa
rindo-se dos campos de nabos e couves, dos salgueiros desfolhados
das azinheiras e dos loureiros, das aldeias desmembradas
e vão parece o meu corpo, vão parece o pensamento

enquanto me aguardam as ruas vazias da cidade
é sábado à tarde quando há bandos de pássaros no choupal
e o burgo regurgita de vida nos centros comerciais
a minha face irregular está cansada
tomba a cal das argamassas que alguém recobriu de cores plásticas e opacas
impermeáveis ficaram as casas arfantes os velhos
sentados nos umbrais de cimento
a fingir pedra cansada
cansada a cidade que se reconstrói fingindo ser o que já não é

e busca recobro nos planos envidraçados dos pontos de encontro de fast-food
onde a luz do sol é filtrada o ar que se respira condicionado a chuva não entra
e bandos de pardais desgarrados se empanturram de restos de pão e de gordura
onde já nem se fuma onde se fala e cala e de novo se fala
ao telemóvel ao ouvido das crianças mordiscando a orelha dos namorados
gritando aos mais surdos
enquanto uns se enlaçam outros se encontram e uns outros se afastam

eu assim me afasto em silêncio
subo a calçada de seixos rolados colhidos no rio
quando havia um areal, laranjais perfumados e um cais de madeira
regresso no contra-sentido
vão parece o meu olhar.




(esferográfica sobre papel, 1986)

11.1.08


© teresa figueira

2008
(ou os belos postais que recebi por estes dias)

10.1.08



© andré bonirre

filmes no sótão 2007
(ou os belos presentes que recebi por estes dias)

9.1.08


(ou os belos convites que recebi por estes dias)


© pedro tudela e rosi

solestício de inverno
(ou os belos postais que recebi por estes dias)

8.1.08


© pedro morais


sombra no deserto
(ou os belos presentes que recebi por estes dias)

6.1.08

vela uma penumbra de giz
embacia o corpo das palavras
o pulso que não se sente
o olhar de cinzas a pele que só arrancada.

ao amanhecer terás os passeios cobertos de gelo
prematuros bandos de pássaros sobrevoarão os jacarandás
os plátanos
encontrar-te-ão adormecido coberto de folhas
e nuas estarão as sacadas da praça
vagas as janelas de lioz macio
como a pele dos rapazes os lábios das raparigas
vazas estarão as marés o cais o tejo
vaza a luz ao relento
quando passares em silêncio.


© kiasma

3.1.08


© rosi

solestício de inverno
(ou os belos postais que recebi por estes dias)

Arquivo do blogue

 
Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.