30.10.06



[porto, casa da música, "à volta do Barroco":
Hespèrion XXI
La Capella Reial de Catalunya
Luzes e Sombras do Século de Ouro
Da antiga Espanha ao Novo Mundo (1492-1692)]

"(...)
Encontrei o sono

e ele perguntou o que levava nos braços.

Eu respondi-lhe:

é só a Lua,

e ele disse-me:

embala-a, embala-a."

Canção de Embalar Amazigh
Monserrat Figueras, soprano

Driss El Maloumi, canto e oud



(porto, casa da música, 28 de outubro de 2006)

28.10.06

o quase silêncio, por fim.

transparente, a vidraça sobre a urbanidade
de espaços intermédios que não a atravessam
lugares como aquários
onde se dispersa a vida entrecortada
dos que, do lado de lá deste outro espaço a preto e branco,
se articulam nas passadas vorazes do dia-a-dia.

o quase silêncio, por fim.

transparente, a vidraça sobre o desalinho
das vozes intermédias
que não a atravessam
curvando o lugar e as tonalidades
ao claro-escuro branco e negro
cinematográfico suporte das mais abstractas ligações
boca-de-cena de tão grande inquietude
aberta sobre a cidade.

estão sentados e não se olham
a mesa é branca sobre o perímetro negro,
um caderno aberto, um copo de água.

uma mulher olha o lado de lá da
transparente vidraça

o quase silêncio, por fim.

21.10.06


(coimbra, colégio de s. jerónimo)

dias de trabalho demasiado longos, demasiado obsessivos...

13.10.06

pela tarde,
a garganta entupira-se de palavras desdobradas como fiadas de linho intermináveis,
interpretando os registos generosamente acumulados na velha mala de viagem
e tecendo memórias impalpáveis

numa só frase descritas a lápis sobre a peça de linho intocada,
numa só frase reveladas.

perene imagem essa, a da jovem mulher debruçada no plano de luz suave
enquanto a mão desenha palavras sobre o tecido cru,
contido gesto de reflexa tristeza
por mais uma morte,

por mais um dia.

é ainda a rapariga serena de caligrafia irrepreensível
que,
cumprindo os deveres da família, pátria e religião,
frequentara a escola lá do frondoso vale de serafão,
onde se perde o passo alegre colhendo as sombras das carvalhas,
dos castanheiros
no caminho de casa,
o cheiro a pedra, a musgo, a terra orvalhada,
a folhas secas tombadas no chão,
quando cobria a chuva o entardecer
e tombavam os cabelos de azeviche, enrolados, sobre a nuca altiva
por gola de alvo linho aconchegada.

(que não se engane quem nela deposite o olhar)


é nos olhos cor de avelã, luminosos e compassivos,
que se apreende a postura dessa alma
clara
como só as águas das fontes
orgulhosa como apenas os fetos desbragando o penedio
fugidia como a lebre que se esconde nas raízes do carvalhal

na casa de pedra, onde as janelas desconhecem caixilhos,
a vida percorre o alpendre de lajedo sombreado por telha de barro
e ri-se a roseira encarniçada
que devora a sombra dos degraus na qual se recolhem
os mais belos amores

desabrocham raízes, vermelhas flores
numa outra escadaria

de uma outra casa,
também ela abrigo de novas horas, de tantas outras lágrimas
de tantos outros quantos amores.

mas hoje, tarde dentro, a minha voz secara.
e o vazio a descoberto era só esse,
quando ninguém sente dor alguma
excepto a sua.

9.10.06


Francesco del Cossa, Santa Luzia (pormenor)
Kness Collection, National Gallery, Washington
publicado na revista Architectural Review em Outubro de 1962
digitalizado a partir de fotografia da capa do livro
"Arquitectura e Humanismo, O papel do arquitecto, hoje, em Portugal" de Vasco Croft

"Os olhos vivos de Santa Luzia, símbolos da luz: um convite à visão, sensível e inteligente, para saber pensar e interrogar a arquitectura."

(ver livro acima citado)


(c) álvaro rosendo, 1986 [pormenor]

foi de luanda que te escrevi quando me embriaguei no passeio carregado de palmeiras
riscado nesse mar em forma de baía perdida.
e de luanda embriagado conheci a morte de que te falei,
sabendo que te abandonarias convulsivamente ao meu desespero.
da morte, os meus olhos na tua lembrança afogados nada podiam cativar
com excepção de uma dor execrável
que me amarfanhava a alma, arrastando-me por gestos fedorentos,
como se já dela estivesse possuido,
como se nada para além dela pudesse encontrar.

( aqui, olhando o mar, rompo-me em busca do teu retrato:
esvaira-se a minha voz no cio das noites e, sedenta,
une-se ao uivo dos cães famintos para saber como te vislumbrar.
a tarde não é pouca quando caminho na cidade
e se te vejo coro como todas as árvores carregadas de flores em janeiro bravo
nessas outras ruas dessa outra cidade por onde te sei a vaguear. )

e quando imagino o teu abraço no afugentar da tarde,
no asssombrar da morte,
a cidade encharca-se de noite para que te possa amar.

o meu corpo amarfanhou-se nas palavras que chegaram em papéis pôdres de ti.

enviados como folhas perdidas dos teus dias,
descobertos às cores quentes desses muros onde violentamente espojaste o teu corpo
nessa cidade que da selva se afunda no mar,
afogaram-me na saudade obscura de desejos esquecidos.
deles arranquei um desespero
que fez de mim peça inerte da tua vontade
e, como tu desse outro lugar desnudado buscaste os meus olhos
rasgando um céu sem sóis nem planetas brancos onde repousar o olhar,
eu rompi becos e esquinas, por entre velhas pilastras de granito porco,
na muda esperança de nos teus braços
a vida que um dia me arrancaste poder reencontrar.

aqui as palmeiras não sabem a chuva tropical:
erguem-se descompassadas em jardins arruinados.
a cacimba é despida da claridade que tranborda das tuas palavras
ornadas de um luto que já não é o meu, desesperadas,
e não sei que faça para delas me afastar.


Manhattan from New Jersey, c. 1910
(c) 1988 Underwood Photo Archives, Ltd.


as ruas da cidade perderam-se no labirinto deste desejo inconfessável.
por elas abandonei gestos, desamparei olhares,
inscrevi vozes de passos confusos,
verti lágrimas que não vou chorar.
a cidade, suja e vagamente distraída dessas idas e vindas,
manteve-se inalterável na sua luminosidade triste sobre os seus rostos desventrados,
como o pálido sussurro de um olhar.
e pelos muros adivinhei jardins por onde o teu corpo se esgueirava,
refugiado no perfume de uma glicínia qualquer, sob o riso de uma velha nespereira,
ao largo de um rio derramado sobre as praias de um belo laranjal.

e pelas ruas fui tropeçando em gestos vagos como capitéis de um desejo altivo,
de desenho antigo,
em busca de evidências alvoroçadas por palavras aparentemente inconsequentes,
voz clara de uma sedução que aprendera a encenar.
seduzir-te assim é fácil como um sorvo de pássaros irrequietos
neste fim de tarde interminável:
é quase tão fácil como saber por que te amar.
deixar-me seduzir pelo teu corpo adunco seria tão simples
envolta que fiquei nesse teu cheiro cúmplice que se apoderou do meu olfacto,
violento rasgo nesta noite impiedosa que não senti chegar.

olho por olho, um beijo por roubar.



(c) pedro morais

coisas picantes:

um ramo de carrasco colhido na borda do caminho para as buracas

os pimentos semeados e plantados
pelos amigos
na horta da serra de janeanes

4.10.06











(terras de sicó, 1 de outubro de 2006)

a serra da lousã vista da serra de janeanes

3.10.06








(coimbra, santa clara-a-velha)

e depois do botânico, da ponte, o estaleiro minucioso dos arqueólogos,

a clausura imaginada através das sessenta e seis ossadas analisadas pela antropóloga,

o pico dos fustes e dos capitéis revelando a arte dos canteiros

fósseis desse tempo conservado pelas lamas do mondego

2.10.06

estufa fria


bambuzal

(coimbra, jardim botânico)

sábado, 30 de setembro de 2006

passeio para acreditar

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