29.12.06





(pedro morais, dezembro 2006)
um dia gelado

28.12.06

soam guizos e campaínhas na sala desbotada
e os garotos riem da solicitude do rapaz que ampara o trajecto
cego da professora de música
afastando a massa de cabelos que afronta a face corada

enlevo táctil que varre sombras e trevas
páginas de solfejo soletrado beijo a beijo,
sussurros, galhofas,
vozes claras
alinhadas como vestidos de algodão floridos

crostas, cicatrizes
e nódoas negras como coroas de reis enfeitando magros joelhos


palmas, síncopes
o feltro vermelho do piano cativo pela luz escusa da tarde
percutindo o soalho com o eco das pautas arduamente ensaiadas

as pequenas canções mimadas.

e, no dia da festa, cabelos presos por fita de veludo
calções vincados, camisas brancas, vozes afinadas
lá no circulo de arte e recreio teimosamente encostado à velha praça

desfez-se o piano, vendeu-se a velha casa.

22.12.06


boas festas!



a festa de natal

21.12.06

foi sob as velhas árvores que, ao invés do tempo,
perdi a capacidade de olhar os teus olhos,
embrenhando-me, distraída e pressurosa,
no estalar da caruma e das folhas de carvalho,
ao ritmo dos passos vagos e serenos
pelo cheiro a musgo e alecrim das canções da minha infância,
imaginando palavras desenhadas
como redes de pássaros para te encontrar.

foi imersa no perfume de uma límpida bruma que te vi riscar
o derrube dos escolhos que dispersara pelas rotas escusas
que acedem ao meu coração
(e que julgara definitivos, seguros
e inexpugnáveis)
meticulosamente minados por essa afeição perene
que me retirou o poder de mentir,
da omissão deliberada e de,

para os teus olhos,

poder olhar.

(sinto que se aproxima o vento
que soprará dos meus lábios
as estórias dos amores risíveis)

este é o tempo do silêncio.

este é o tempo que preserva
o fim sem fim dos nossos dias.

12.12.06


(dezembro 2006)




(c) pedro morais

a grafia de uma viagem a trás-os-montes numa primavera apressada:

o quarto com lençóis acabados de passar a ferro,

a gastronomia suculenta e os bons amigos.

8.12.06


(lápis e aguarela, sobre papel fabriano, anos 80)

7.12.06

não sei como não te seduzir.

os teus olhos debruçam-se assim nos meus
que aparentam suportar firmemente o embate do teu olhar provocador.
o desafio está lançado nos meus lábios que arqueiam um sorriso traiçoeiro,
e tu coras face ao descaramento com que o meu olhar se descobre ao teu.
olhares esguios enquanto as minhas mãos, geladas,
se poisam sobre as pernas angulosas
que exibo como único rasto do meu corpo:
este cobre-se de vestes que encerram os defeitos que não poderás adivinhar.

minto: o meu rosto é a máscara de todas as imperfeições
e é nele que articulo formas de te encantar.
imagem virtual, é dele que nasce a poderosa ficção
que te arrasta pelo meu corpo encoberto
de que rasgas pedaços:
os ombros lisos, os cotovelos violentos,
o ventre encerrado,
as costas que o teu olhar sabe como arrepiar.

5.12.06

vai o regato cheio por luz de ouro onde se afunda a tarde,
varrem-se os desgostos e as ausências destemperadas

pelas encostas azuladas da serra adormecida
e, sobre a curva do penedio sibilante,
o corpo de ventos bravios
ensurdece os ruídos longínquos da cidade

vão as lamas pardacentas rego abaixo
cama de galhos secos, partidos
acendem-se poeiras como fogos-fátuos
sob a luz filtrada no fim do dia

(e ao anoitecer dizes baixinho)

ama-me de um amor indizível,
de uma luminosidade inesquecível
de um tempo impossível,
tu que no perfil ensombrado destas horas finais
te estendeste sobre o musgo verde e macio
para seres minha, para seres minha.

e quando a luz tomar as vidraças cativas lá pelo burgo
ao amanhecer
deixa-me, a mim que tinha as mãos vazias, embalar-nos na luz diligente
que nos aponta o regresso à casa que acabamos de reconhecer.

4.12.06





(penha, dezembro 2006)

amo-te sempre que esses olhos semicerrados correm as pálpebras
do verde que escondes.

adivinho-lhes um sonho, escarpado de segredos que misturam suavemente
a cor da terra do muceque
com as nervuras das conchas marinhas.
adivinho ainda alguns ramos violentos,
anseios de secura ao vento que de vez em quando agita o ar.

há dias, semanas,
que misturo essas cores que julgo tuas sobre papéis brancos,
à procura de arquitecturas que rasguem o terreno do teu olhar.
porém, nada me abandonas nos riscos que faço.

escapas-te sempre que as minhas mão saberiam como te encontrar.

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