© álvaro rosendo
mais tarde o corpo cansa-se e procura o encaixe
que devolva o soco e consolide estilhaços assim como um airbag de silicone
pacotes de férias nas termas ou nos trópicos mais distantes
na companhia de opiáceos e de analgésicos boiando nas águas do recife
em empreendimentos energeticamente certificados
onde se degustam iguarias ecologicamente confeccionadas
copos de uísque velho sem gelo e os politicamente correctos charutos de Havana
promessas de sexo musculado bordões de misogenia nos outdoors
frente ao vidro faço o risco que assinala a pálpebra e se alonga até às têmporas
de um lado ao outro delimita o curso do escalpelo cravo-o fundo na memória
allumeuse ou puritana porque não me lembrarei eu
de outras definições em mim apostas
contraditórias cegas clarividentes armas de arremesso
shadows have the saddest things to say canta a Mitchell
esta é uma daquelas noites em que me atiro contra mim própria
uma vez após outra e ainda outra sem que se rompa a pele ou quebrem os ossos
sem que vença a aridez de uma esfera que se rarefaz a cada embate
poderia antes gritar se fôlego houvesse
na casa das magnólias onde há um arquivo de repartição
cujos compartimentos de madeira albergam
discos de vinil uns dois milhares alfabeticamente organizados
a música que R. juntou e que se escuta no cansaço da madrugada
digo para mim própria
poderíamos dançar
antes de adormecer no quarto do sótão
e acordar rindo de todos os clichés
abandonando o pudor do déjà-vu
posando para o fotógrafo que se deitara no sofá
tem os olhos semicerrados
mede a luminosidade na penumbra
antes de disparar.
30.7.09
Posted by blue at 12:38 da manhã
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5 comentários:
fabuloso.
roubei...
bom dia :)
...do arquivo de uma alma...
poderoso!
Fora o resto (claro), gostei tanto de encontrar aqui fotografias do Álvaro!!! (e vai com pontos de exclamação e tudo)
uma grande fotógrafo, um grande amigo, Ana.
Uma bela conjugação entre a fotografia e o poema. Gosto muito.
cida
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