25.9.06



hoje chove.

ergue-se alto o castanheiro que ensombra o velho palheiro
tem a idade do rapaz que nele se abriga
indiferente ao chamado cansado de quem o procura
nessa tarde abafada

não ouve as risadas das raparigas que, no desvão da escadaria de pedra branca
aprendem bordados e tecem fados
nem escuta a campaínha da bicicleta vermelha
que tomou o lugar do som dos rolamentos do carrinho de madeira
construído pelo velho marceneiro
e está longe de se aperceber que o pato, o perdigueiro e o gato
se enroscam no borralho

pelo rêgo de água descem barcos de papel
descem vagas ruidosas que movem as pás dos moínhos de cortiça
vagas frescas onde bóiam folhas como jangadas
enquanto as mãos da criança tranquila enfeitam de heras floridas
as madeixas desbotadas de uma boneca de pano

antes da desfolhada

antes dos sinos e das trindades
dos caules arroxeados dos lírios venenosos
das bagas vermelhas do azevinho que não floresce em dezembro

antes da tempestade.

hoje chove.
e nenhuma voz descobre o silêncio que trago em mim.

10 comentários:

Anónimo disse...

"hoje chove.

ergue-se alto o castanheiro que ensombra o velho palheiro
tem a idade do rapaz que nele se abriga
indiferente ao chamado cansado de quem o procura
nessa tarde abafada"

Excelente! Isto é prosa, não?

blue disse...

essa tua resistência à ideia da poesia...

Anónimo disse...

Gosto destas memórias do futuro, do presente e do passado onde se misturam mais várias gerações.

Anónimo disse...

...onde se misturam várias gerações.

O "mais" estava a mais!

Laura Ferreira disse...

Hoje ao jantar falamos de blog's e dos circuitos dos blog's e falamos do teu!

blue disse...

esta semana foi terrível, não tive hora de almoço e, å noite, estava tão cansada que descurei por completo este espaço e os que normalmente visito... desculpem todos esta ausência!

blue disse...

é, redhot, adivinhaste.
são vários tempos, diversas memórias acumuladas, que juntei para expressar um presente específico. não é nostalgia, embora possa parecer (espero que não pareça!)

magnífico o teu blogger disply name - como sempre.

rosi disse...

hoje é domingo e chove. O som das pingas contra as vidraças traz as memórias de outros domingos de Outono, o cheiro da marmelada a secar à janela e das maçãs perfumadas espalhadas nos móveis da sala. Só apetece ficar enroscada no sofá e deixar que a preguiça tome conta de mim.
Beijos.

Anónimo disse...

um poema muito visual e belo! gosto muito.
sou visitante frequente do teu blog.
bjs
marisa

blue disse...

querida marisa, é mesmo bom saber-te por aqui!

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