11.3.09

a manhã vazou as cumeadas agitou as copas dos eucaliptos
estendeu-se sobre a plataforma sempre vaga do parque de estacionamento
ainda à espera da promessa de subúrbio na margem do rio
prédios e moradias hipotecadas no lugar de olivais
iluminou a condensação do bafo nos vidros entreabriu pálpebras
fez da pele poalha das cabeleiras fulgor subitamente
o inverno termina indago-me
ao contar os lugares vazios que é assim que se contam na locomotiva
os desempregados os doentes
os que faleceram sem aviso prévio
é pelas ausências que se relembram o calendário das festas
o calendário escolar e
ainda que agora cada vez menos
o tempo das sementeiras
o tempo das colheitas.

na vida que se regula pelos horários das ligações ferroviárias
tenho um quintal com camélias um castanheiro laranjeiras
um pinheiro de natal
um outro cor de cinza azul
numa casa velha

uma rapariga um rapaz um homem uma mulher um cão
não sei como contar as ausências não é para elas que vivo
dirão que este poema está pleno de pathos
uma palavra cheia de contradições
a minha vida é em tantas coisas semelhante à vida dos outros
a quem poderão interessar
como se contaminam
no momento em que a manhã vaza os meus olhos
e faz da pele poalha das cabeleiras fulgor.

5 comentários:

Anónimo disse...

belíssima maneira de falar um pouco sobre ti...
beijo
marisa

CCF disse...

interessa, interessa...pela última frase está explicado porquê!
Abraço
~CC~

Pedro S. Martins disse...

sempre que te leio
sinto-me a caminhar à chuva.

(e eu gosto da chuva)

Anónimo disse...

Um primor, verdadeiramente

CNS disse...

Releio-te. Contaminada pelas tuas contradições, paixões. Que nãos nos deixam indiferentes.

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