29.8.08

de repente somes pela frincha do soalho
segues o percurso das centopeias e dos aranhiços as feromonas do formigueiro
deitas-te nesse espaço intermédio
nessa espécie de bacia geográfica do medo do sonho
entre o tecto do mundo e a treva
de repente
dizes há muito que não sabes da inocência de um segredo trocado
eu respondo há muito que cobri os antebraços as costas das mãos
a linha da nuca há muito que dela não sopras a sombra do cabelo
os poros eriçados
há muito que sofro de aspereza
tu sorris porque não recorro ao médico da praça
ao centro de saúde à ginecologista ao estomatologista à psiquiatra
se calhar ao dermatologista ao homeopata à bruxa estás tão pálida dizes
sofres de aspereza de olheiras escuras de celulite
quem sabe a corporación te atribui um crédito por cinco anos
um cardiologista um osteopata uma nutricionista um médico do trabalho
dizes há muito que não me beijas e a tua boca é
digo interrompo
quem sabe eu suma por uma frincha do soalho
e contorne as centopeias os aranhiços as térmitas o caruncho
e seja um pouco como a cera de abelhas
a pele se amacie os dedos toquem a erva que cresce no lameiro
o sol atravesse as poeiras no final da tarde
quem sabe tu ao meu lado
e eu consiga por fim adormecer quem sabe
porque não me beijas
quem sabe.

4 comentários:

maria n. disse...

Gosto muito.

Maria disse...

encantador, como sempre. Parabéns !

CCF disse...

Às vezes também sofro de aspereza, tal e qual como neste poema. Às vezes também espero um beijo e ele não chega, tal e qual como neste poema.
~CC~

Scarlata disse...

Isto é lindo, adoro adoro as coisas que escreves. Quero um livrete autografado com todas as tua poesias, dedicado a mim! :O

Quero!
;D

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