para lá do hemisfério das palavras solitárias
cresce o rapaz por entre os muros da escola
cresce longe de casa, sem o cheiro do pão cozido,
sem trepadeiras de rosas vermelhas
sem hortênsias azuladas por linha de horizonte
logo após a cerca, logo antes dos valados verdes de musgo
antes dos pastos de aveia, do pousio, da tremocilha
em casa ficou joaquina rosa de olhar e regaço mansos
cobertos por avental imaculado
ficou o grande joaquim embrulhado em lençóis de linho grosso
as mãos magras dela entrelaçadas nos dedos desajeitados dele
ficaram as crianças que o rapaz já não pode ser
ajudam a amassar o pão a cobrir de açúcar o doce branco
a acender o forno muito antes da madrugada
uma cama deixada ao frio
uma cadeira vazia na mesa da cozinha
são olhos como poças de água corações apertados pequeninos
à mesa a carne é para os homens de batina
a gula é um pecado mortal, a fome assim também
e intensas são as pautas de música
ah intensas as harmonias que se aprendem a ler
e que ressoam na abóbada da capela como manchas
solares serpentinas belas
mais do que flores de papel em dia de arraial
mais do que as pétalas que compõem passadeiras para a procissão
mais do que o oiro sobre a nuca das raparigas
intensas e como saciam
cantos gregorianos, oratórias
prenúncio de madrigais.
28.11.07
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10:33 da tarde
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25.11.07
às seis e quarenta e cinco não está frio no quintal
e eu não encontro os galhos da poda do jasmim
para acender o fogão
às seis e quarenta e cinco é ainda muito cedo
digo para a casa adormecida
falo sózinha às seis e quarenta e cinco
é demasiado cedo confirma o relógio da igreja
reluz a estrela d’alva sobre o vulto negro do pinhal
sentada nas escadas do passadiço organizo o dia que se inicia
dia azul azul azul e não sei dos galhos para acender o fogão
às seis e quarenta e cinco ainda não há pão
não há brumas nem aragem nem geada
não se ouve a passarada
eu tropeço no silêncio
enumero tarefas contadas nos dedos das mãos
a casa quente
o açúcar em ponto de pérola e as gemas para o pudim do abade
as maçãs reineta cobertas de massa de areia
o chocolate negro negro
para a mousse e o fondant
o vinho quente com especiarias e gomos de laranja
o doce de leite
a porcelana de flor de pessegueiro
e eu sem galhos para acender o fogão
pela tarde vestir-me-ei de negro serei minhota
enfiarei contas de oiro de viana
pendentes de oiro puro, arrecadas
flores na casa quente para honrar os que virão
é cedo, muito cedo
para os ausentes, reservarei sempre
um lugar no coração.
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7:35 da tarde
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23.11.07
20.11.07
soçobrar num murmúrio
sem ar
de olhos abertos e palavra lúcida
sem amor nem agravo
sem um olhar
e saber dos fogo-fátuos a desoras
das pedras roladas na praia
roladas como beijos e afagos
o sal marinho a água a luz o ar
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11:50 da tarde
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© virgínio moutinho
Criados Mudos
uma exposição de Virgínio Moutinho
no Centro Comercial Bombarda, Rua Miguel Bombarda, Porto
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11:40 da tarde
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18.11.07
intertexto:
contra mim sem ti por mim longe de ti
escrevo e reescrevo alinhavo
veios salinas rotas mapas
e, contra mim longe de ti
escrevo e reescrevo ateio
fogos crepúsculos erratas
por mim sem ti longe de mim.
(caneta sobre papel, 2007)
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2:28 da manhã
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12.11.07
6.11.07
Dorothea Lange, 1940
escritas há que eu gostaria de ler todos os dias
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7:56 da tarde
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entre dois espaços há sempre um outro
entre duas casas que foram uma
o vulto do segredo assenta sob a abóbada
de cal e areia que se avista pela fresta de uma porta
vejo a tina de ferro oxidado onde um homem adormece
a tulha de pedra, braçadas de linho, ramos de tomilho, barbas de milho, violetas
duas ramagens de pele ruborizada e um beijo
uma mão cheia de gargalhadas na peneira da farinha
entre cada espaço entre cada passada
uma pedra branca, o solho de castanho lavado
e depois apenas terra
a argila dos pinhais.
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blue
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7:00 da manhã
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3.11.07
em dia de cemitérios
não chove sobre o anjo quedo na praça da bastilha
não chove no quarto que não é quarto
nem sequer na casa que não é casa
não chove no corpo que é vazio
não é possível que chova no nada.
não chove sobre as árvores do parque
nada humedece o saibro vermelho das alamedas
nada alimenta os líquenes que se desfazem em pó
não chove, hoje não chove
queimam-me a pele astros desamparados
que outra coisa não chove no nada.
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blue
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7:47 da tarde
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