24.11.06

eram tardes de verão perdidas por entre as nossas mãos intocadas,
o areal batido pelo brilho áspero do sol,
efémero registo de palavras apenas sopradas
fendilhando um qualquer destino que nos consumia.

eram horas como grãos de areia, clara e fina,
medidas rigorosas dos circulares percursos da alma,
tomadas pelo vento sobre a pele cálida,
qual escopro de um tempo inexistente,
inscrição de rotas paralelas de desejos como marés-vivas.

eram dias caiados por intensas esperas,
luminosas como só o meu olhar quando te seguia
e o mar,

ah o mar

era o imenso cavername onde se abrigavam todos os sonhos,
o único semelhante da beleza não visível que,
sem o sabermos, já nos tomara,
deixando-nos reféns e amantes de uma ética severa
que nos colocou em permanente dicotomia
com os burocráticos, virulentos vazios que conjuram estes outros dias.

eis-me aqui.
não escrevo sobre a saudade ou o desalento,
nem tão pouco procuro a nostalgia.

colho, por entre as tuas mãos
agora plantadas no terreiro ermo da morte,
as imagens esquecidas,
florações intumescentes advindas de uma dor inesperada,
por estas palavras fossilizadas no negativo fotográfico
da minha vida.

palavras bebidas pelos poros de um olhar ávido de poesia.

2 comentários:

blue disse...

escrito em 1997, depois da morte de E.R..

Anónimo disse...

simplesmente belíssimo!

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