4.8.08

lembrem-me os quartos as salas as persianas semicerradas
o perfume dos aloendros dos cravos-da-índia da salva cor de sangue
a linha crepuscular das sombras

arrastadas pelo ar que atravessa os compartimentos
perfuram-me o esterno os brônquios o esófago a voz

o calor lá fora cá dentro quem tem medo
dos comunistas dos fascistas da cólera quem tem medo
da CIA do KGB dos cubanos dos maoístas
do cardeal Cerejeira do cónego Melo do general Spínola do camarada Vasco
na praça do Giraldo no Toural no Rossio no Carmo quem tem medo

quem tem
casas vocábulos odes troncos ramos braços searas
que me lembrem os quartos as salas as persianas semicerradas
a brisa quente agitando sobreiros e azinheiras

as trovas do Zeca do Chico do Aleixo
um louva-a-deus no dorso do muro o silêncio
ou um grilo negro nas mãos
quem tem medo hoje quem tem?

6 comentários:

hfm disse...

Fortemente belo.

Scarlata disse...

Muito bonito, infelizmente hoje ainda ha quem tenha muito medo...

Capitão Nemo disse...

Hoje encontrei os teus poemas.
Vou ter que pensar.

Night Shadow disse...

queria uma palavra. perturbador. revoltado. não é nenhuma delas. não consigo definir. mas está lindo.

at disse...

uma sensibilidade maravilhosa. um poema perfeito.

Maria José Vitorino disse...

Tem medos
Dentro dos nossos segredos
Tem ratos
Dentro dos nossos sapatos
(dizia o sérgio há décadas)

Hoje ainda tem
ainda temos
e outros des-temos
des-tem
sem desdém
salvé, voz nocturna
e azul

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