4.3.07

romperam-se os gestos que o meu corpo reservava ao teu olhar:
despedaçaram-se contra os ventos mornos e sujos
que os dias da tua ausência trouxeram.


a tua ausência transformou-se assim numa ruína
onde perdi todos os rastos da tua pele,

toda a sombra do teu cheiro,
toda a mágoa de já não saber como procurar o teu olhar.
a dor, essa sábia e cruel,
vai assim perder-se por esse deserto onde tombou a tua imagem.
desta nem sei se reservo os teus olhos
que recordo armados em pose de pássaro real.

já prometera não o fazer desde o último olhar que me recusaste,
ficando defronte deste rombo que causaste no meu corpo
à espera de saber como não chorar.
a promiscuidade que a tua ausência trouxe encarregou-se dessa lição tenebrosa,
destruidora dos sonhos e também dos abandonos.
e por esses dias quentes, sob o sol de um outono cruel na sua beleza
pelo oposto das vozes fedorentas que rondaram os meus lugares,
deambulei de desespero,
para tropeçar numa névoa que me embrulhou de saudade para finalmente descobrir
como não chorar.

continuam assim intactas essas arquitecturas
onde busco imagens para não deixar de me encontrar,
embora aquelas que te pertenceram estejam já cobertas de poeiras
pelas chuvas petrificadas que,
com o tempo, quem sabe se com o verão talvez,
rachem e se despedacem,
dando lugar a esses retratos, inscrições que em nada se conseguem disfarçar.

ou então talvez sobrem unicamente esses sopros de vento,
talvez não haja nada para recordar.

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