26.6.07

e na deserta respirar-se-á o vento leste
antes deste esbarrar nas falésias em decomposição.

de bicos de pés, em silêncio
por entre lírios e cardos.


(tinta-da-china e aguarela sobre papel, 1985)

(one from the heart)

24.6.07



(caixa postal)

20.6.07






turva era já a noite quando cegaram os olhos pardos
da mulher que tacteara, por instantes, a cratera aberta no teu peito
no risco indiferente das ausências previsíveis, na volta de um intermitente enfado
na pegada da boca que lhe beija o colo e morde o ombro
das mãos que lhe retêm os movimentos do diafragma
no resvalo de sombras negras como um golpe seco de faca
perenes e incautas.

(surdo é o plano de água que lhe levará a alma

quando uma só palavra atravessar o seu peito)

19.6.07



(aguarela sobre papel, 1990)

17.6.07


(técnica mista sobre papel, 1985)

cobre-me uma ansiedade errónea
ignoro que laço me sustentará o corpo devoluto

tu vês-me como um estranho amplexo de palavras perdidas
caixilho de palavras amputadas e esgotadas
onde se reflectem inefáveis contratempos
vozes soltas, dispersas como a folhagem primaveril que nos ensombra
enredadas na ausência do vapor solar
do sopro ensandecido que varre o canal até ao cais de pedra
onde te amarraste, indolente.

eu sou, de facto, esse estranho nó que usaste para ficares
a manhã não é rósea, não respira
e ignoro que laço me sustentará o corpo devoluto.

15.6.07

(caneta sobre papel, junho 2007)

porque ao veres as pessoas que amas
olhas

14.6.07


(aguarela sobre papel, 1991)

(não li, ainda, Philip Roth)


alguns dos melhores momentos da minha vida foram passados com os velhos:
com os meus pais (sim para todas as crianças os pais são velhos)
com os meus avós
com as mulheres que cavavam o quintal e que, de noite, regavam os campos de batatas
(campos que, de dia, cavavam de novo, depois da broa cozida e da barrela no ribeiro)
com o lojista ambulante que acompanhara o escritor, o juiz e o morgado na caça
com as amigas da minha avó materna
com o engenheiro agrónomo e a sua bela, ainda que velha, mulher espanhola
com a padeira que servira desde os 14 anos até casar
com a costureira gorda que vivia num compartimento com uma porta de postigo
com o surdo-mudo indigente que polia o faqueiro de alpaca na porta da cozinha
com o marceneiro da cidade laboriosa
com o outro marceneiro viúvo e alcoólico que fazia carros de rolamentos para a canalha
com a mulher de pele parda e manchada que passava férias em caldelas
velhos em postigos ou em casas vazias
nem sempre sós, nem sempre solitários, nem sempre mal amados
é deles que me lembro ao ler-te.

12.6.07


(tinta-da-china sobre papel quadriculado, 1985)

vidro azul

11.6.07



(cópia heliográfica sobre papel, 1985)

as imagens passam hoje tangencialmente ao que escrevo
e o meu olhar é atonal.


condescendente,
debruço-me sobre o rosto destes momentos
(e sei que)

só me resta resistir a este cansaço que me invade,
a esta lassitude que me convida
ao encerramento em espaço inviolável,
onde apenas alguns fragmentos de imagens, de sons
de umas quantas palavras
me acompanhem e resguardem.

10.6.07



(caneta, ecoline e tinta-da-china sobre papel, anos oitenta)

8.6.07



(caneta sobre papel, 1992)

e, se me vires

saber-me-ás de arcabouço forte
cingido por laçadas de corpete assente sobre uma pele de cambraia fina
adivinhar-me-ás meias de seda enrugadas na dobra da liga
o vulto armado de negro merino
coberta a curva do pescoço, a linha do colo, a cintura roliça
cerrada a largura da anca
expostos que se encontram os ossos dos tornozelos, as mãos demasiado grandes
os pés arqueados.

e, se me vires
encontrar-me-ás de cabeça descoberta e cabelo desgrenhado
as faces demasiado pintadas, os lábios bem desenhados
dos lóbulos brancos pendentes filigranas, arestas perfumadas.

mas, se me olhares,
despido estará apenas este meu desencontrado
descarnado olhar.

4.6.07




(caneta sobre papel, sem data)

sonhei hoje com os teus olhos
e, ao acordar, as pálpebras dos meus
vergaram pela tristeza monstruosa
de já não saber como de novo
te voltarei a olhar.

3.6.07













"Infância não é tempo, é lugar (mais que lugar um sítio concreto).
Nesse sítio se fundam, é sabido, raízes. Que todavia, imaturos frutos nele continuem, tantos anos depois, a persistir, eis o que constituti decerto o mais feliz e inquietante dos milagres. (...) o Gino (Virgínio Moutinho) continua a fabricar máquinas desejantes de brincar (desejantes daquilo que, em qualquer lugar de nós, continua a ser capaz de infância). São máquinas de rasura, feitas de coisas pobres e elementares: madeira, chapa, arame, ar, movimento. E, principalmente, de deslumbramento. Também a infância foi uma vez feita da deslumbrada matéria dos sonhos. Agora, dos nossos sonhos, restam papéis pelo chão, destroços. E resta, como um gnomo antiquíssimo, o Gino apanhando do chão os nossos sonhos."
(manuel antónio pina, 2000)

1.6.07



VIRGÍNIO MOUTINHO
esculturas e desenhos
inaugura no próximo sábado dia 2 de Junho, pelas 17,30h
(Galeria da Universidade/Universidade do Minho
Museu Nogueira da Silva, Av. Central, 61
Braga)
de 2 de Junho a 4 de Julho

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