29.4.07



(lápis de cor sobre papel, 1988)

- Mãe: porque é que fazes estas coisas?
- Porquê?
- É tão infantil...
- Porquê?!
- Porque parece que descobriste que o photoshop tem filtros...
- :)

26.4.07


(detalhe, acrílico sobre papel, 1990)

o meu corpo transformou-se num recorte de si próprio
por entre os teus lábios, através das tuas mãos.

sinuosa imagem que se isolou sob a ameaça da luz estrondosa vinda do estádio
ainda que só a escuridão me permitisse avistar.
para lá te dirigiste
e eu só soube como desviar o rosto para o lado mais oposto,
desfalecido gesto no pavor de não saber como te abandonar.
quando olhei de novo,
o jogo havia terminado
e as milhares de pessoas vindas desse contra-luz
que devorei para te buscar
não trouxeram o teu corpo.

mais tarde, violentaste o meu tronco claro com tão voraz luz.

negro bater de asas vindo do meu coração
como a dôr prestes a libertar-se
eis como a morte me ronda e acompanha
através das perdas que se sucedem na minha vida.

desde então que empalideço, que a minha figura se aclara
que nos meus olhos transpareço
impulso desamparado no tempo
que não saberei como reencontrar.

25.4.07


© alain corbel

© pedro morais

contadores de história

há braçadas de cravos em sevilha
há cravinas nos jardins
madressilva e jasmim
flor de laranjeira na lonjura do guadalquivir

cravos vermelhos outros que eu soubera
mancham o romper do dia
cravos vermelhos perfumados
dos lutos que mordem a minha terra
arrancados do pedregal ermo, desbragados
em canteiros de tijolo caiados
cravos vermelhos outros que eu soubera
papoilas cor de sangue, tremocilha

cravos vermelhos outros que eu sonhara

24.4.07


en rosal de la frontera no hay rosas
hay flores de naranjero

16.4.07

14.4.07


(tinta-da-china sobre papel, 1992)

não é a arquitectura que aqui guardo,
mas o que os teus olhos escavacaram fundo no meu olhar.
e deste desespero onde tu chegaste como memória do que não existe,
ficou o vazio a boiar à tona do meu corpo,
onde por vezes me perco,
por outras me abandono.

a morte vive assim desarmando o meu coração
apoderando-se, gulosa,
de tudo o que dos meus amores não soube preservar.
turvo então as minhas palavras de lembranças,
de beijos atordoados, de gestos inacabados,
de desejos amordaçados,
de flores embriagadas que se somem fundo neste meu olhar igual ao teu.

e fico tão só

13.4.07



(palácio vila flor, 6 de abril 2007)

11.4.07


(sílvia namorado, tinta-da-china e lápis sobre papel, junho de 1985)

antes da viagem a itália, duas estudantes pintavam itinerários
e
metiam os desenhos no forno da cozinha para lhes revelar menos óbvios sentidos.
recebi este como prenda preciosa, enrolei-o e levei-o para casa.
no caminho, desfez-se.
passei uma noite a colar os bocadinhos
e o belo desenho ficou como um velho também belo craquelé.

uns pedaços houve que se perderam.

em setembro, quando nos encontrámos de novo, era cedo, muito cedo.
e antes da ponte do rialto, antes dos turistas, estremunhadas
emocionámo-nos de novo junto à fachada da igreja do pequeno largo.

antes da ponte, antes do calor, logo após a madrugada.


na chiesa di san giacometto.




(mitsch, erwin, egon schiele 1890-1918, trento, 1984)

10.4.07


(auto-retrato, lápis sobre papel, anos oitenta)

na montra escura de uma rua em florença descobri um livro sobre egon schiele
grande, belas impressões em papel couché espesso
reservadas numa caixa rosa-pálido

uma tentação que me deixou a dormir ao relento durante o resto da viagem

9.4.07


(lápis sobre papel vegetal, 1983)

duas crianças desenham a chávena assombrada
às voltas com o tinir das colheres de prata e dos lagartos de manteiga e limão

enquanto o samovar de prata do alto da sua imponência
liberta os vapores perfumados do chá açoreano
devagar e silenciosa uma outra criança segue a galhofa das velhas amigas
desenrugadas por contagiante espalhafato
os pés bem calçados a relembrar os passos do charleston
matraqueando o soalho o foxtrot
enquanto a grafonola distraída faz soar os pesados discos negros
as modinhas os choros os blues despachados por encomenda postal
atravessados que ficaram oceanos de saudade
as maçãs do rosto iluminadas
sorrisos como flores de carmim
as blusas de seda com laçadas abertas sobre rendas
cheira a flor de laranjeira a rosmaninho a pó-de-arroz a alecrim
é primavera
o sol o céu a luz
a tua pele cheiram tão bem

duas crianças desenham a chávena assombrada
na sala do palácio Vila Flor

à sombra do meu olhar

no resguardo do meu amor


© antónio olaio


(tinta-da-china e tinta permanente sobre papel, anos 80)

agora que tento abandonar o disfarce pelas palavras

como um jogo de mãos entumecidas de desejo
incapazes de arrancar a descoberta do teu corpo
eis-me incapaz de jogar a sedução,
obcecada por uma verdade que abandona tudo, que me destrói,
que desvanece os sinais indecifráveis, misteriosos,
que o teu vulto seco destacava do meu rosto transformado em intempérie descontrolada,
desamparada.

( outrora havia fadas que, no volver de um olhar,
cobriam belas mulheres de tecidos diáfanos. e havia o mar.
este movia-se lentamente na distância que desenhava o olhar das mulheres.
como uma lágrima.
e havia sempre um e só velho amor...)

hoje, como sempre, perco as noites para contar estrelas,
outras para adivinhar o contorno da lua.

todas as noites à espera de te reencontrar.

4.4.07


(tinta-da-china sobre papel, 1990)

la vie comme à lausanne

3.4.07




enlaça-me o colo, com as mãos
enlaça-me o ventre, o cabelo, os dedos
e ao fazê-lo, laça de um só silêncio
juras e medos

(que estou cansada das interpostas escritas
que se multiplicam na caixa de correio electrónica
de tantas cadeias de palavras engarrafadas
pela peça do teclado que não mobilizo

por tantas vozes vãs entupidas no meu ecrã mudo

que estou cansada, enfim, de imaginar
o que não me dizem por tanto me quererem dizer
que estou cansada de me perguntar
porque não me interpelam de facto)

enlaça-me o ventre, os dedos, os cabelos
enlaça-me sem reserva
e ao fazê-lo, laça de um só beijo
juras e medos

1.4.07



(estudo, lápis sobre papel)
(aguarela sobre papel, 1990)

odeio que me transformes em ser dependente.
odeio quando, dependurada sobre as frases que soltaste inconsequentemente,
fico à espera, confiante,
irrequieta, depois de abandonar no espelho a imagem mais bela de mim para ti.
odeio, por fim o teu atraso ou abandono,
quando toda a ânsia de te tocar se transformou em fastio.

mas odeio mais ainda o teres conseguido deixar-me só
porque destruiste os segredos.
estes já não mais sâo o que queremos preservar,
a reserva delicada que marcamos sobre o corpo para além das palavras:
são o grosso da solidão e só o desespero a consegue ultrapassar.

é então que as rupturas ficam perto do nosso olhar
e a paciência é pouca por tão escasso amor.

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