30.5.07



(caneta sobre papel, maio 2007)

e, de repente, o espaço exangue de um fim de tarde parco em alentos
revela a luz sobre os lameiros, uma luz solar amarela e quente
que o vidro sujo do comboio tranforma em fotogramas
anacrónicos, excertos que se movem no meu olhar desfocado
o ar abafando os corpos cansados das mulheres contra os bancos sujos
o aprumo do revisor diligente.

29.5.07

"Le territoire est au plein sens du terme un prolongement de l'organisme, marqué de signes visuels, vocaux et olfactifs.
L'homme lui aussi s'est crée de prolongements territoriaux matériels, ainsi qu'un ensemble de signes territoriaux visibles et invisibles."

(edward t.hall, La Dimension Cachée)



(ecoline sobre papel, 1986)

de bordo.
ligações fortes entre tempos diferentes.

27.5.07


(caneta sobre papel, maio 2007)

24.5.07



(tinta-da-china sobre papel, 1990)

as palavras, hoje, são de rosaarosa

22.5.07



o lugar onde tudo se dispersa é como a pele que te absorve quando me tocas
o torso arfante de um silêncio inesperado que nos derruba matinal e imprevidente
a sombra ocasional do curso do teu olhar sobre o meu
as palavras que nos fazem vaguear por desejos precisos
tão mais quanto vagas se demonstram as palavras
e maior é a distância

desse lugar onde tudo se dispersa
nascem galhos de verdades quase insuspeitas
ligações, ramos e troncos ferozmente ancorados
no cavername de pele translúcida e estrutura sanguínea
que é o mapa desse instante, desse movimento

da negra voluta que a noite desdobra no meu colo
e que traz negro o teu sangue
perdido que ficou o fôlego
nos meus lábios sob os teus.



(esferográfica sobre papel, sem data)


© pedro morais

branca flor

21.5.07


(aguarela sobre papel, 1986)

16.5.07


(acrílico, lápis e tinta-da-china sobre papel, 1990)

as pistas com que embriagaste a minha curiosidade sobre a tua estória
podiam apodrecer agora nos meus olhos. mas
as estórias são a porta dos meus sonhos e, lentamente,
compõem cenários para os movimentos da minha memória.
as tuas palavras nutrem agora outras estórias,
assim como o teu olhar e as palavras que viciosamente jogamos,
rebentaram em novos poemas sobre velhos passos,
como nova caligrafia para tão antigo fado.

fico, por instantes, afogada nesse mundo irreal, pleno de abandono,
que alimento sôfrega e promiscuamente de algumas realidades
e do qual sorvo toda a energia para procurar proximidades
e furtar algumas distâncias.


assim encontro toda a vontade para saber como abandonar-te
sem perder os pontos do mapa que são os meus dias.
neles passou por algum tempo o teu corpo
do qual retenho tão somente

o teu belo olhar.

13.5.07


(lápis sobre papel, anos 80)

as tuas mãos moveram-se sobre o tombar das rugas de pedra
esculpida a desenhar roupagens.


os teus dedos magros estenderam-se, vagarosos,

ao longo dos corpos assim impiedosamente nús
sob a relação entre o teu olhar devorador e o rasto, quase imperceptível,
das formas que os teus dedos deles procuravam adivinhar.

sensuais.


não ousei procurar os teus olhos.

de novo deles temi o retrato do meu corpo que assim se afogava nesses gestos,

desejando afogar-se no teu.

como uma intrusa,
abandonei-me, quieta,
ao ritmo, aos passos que depositaste naquele espaço circular.

mais tarde já era tarde demais
e a ousadia do movimento das tuas mãos perdera-se para sempre
nesses teus olhos esguios, prudentes e assustados

sob a força com que neles procurei resquícios desses segundos preciosos

que aqui procuro retratar.


perco-me assim por imagens que, sabiamente, me arrancaste do olhar

e a enorme vaga de gestos que não puderam, na hora precisa,

possuir o seu lugar.



(fotocópia, tinta permanente sobre papel, anos 80)

de bordo

(diários gráficos do tempo em que não havia computadores,
blogs ou máquinas digitais
e os livros de arquitectura eram raros nas livrarias,
caros e demoravam muito tempo a chegar)

9.5.07


(caneta e lápis de cera sobre papel, 1992)

curva a levada no braço do rio

onde curva a linha de esteios de granito que suporta a vide
e se uma linha de choupos delimita a outra margem
onde dobra o curso de água curva a terra no seu seio

(curva-me o ventre, esgana-me a voz
embarga-me o riso, cerra-me os dentes)
e já o arco do meu olhar se afunda na curva da tarde

segue a noiva pelo asfalto que cobre os cubos de granito da antiga estrada
o seu vestido branco é o viço de frondosas sombras, a cacimba
a poalha que lhes ilumina a pele
segue a passada afinada pelo cavaquinho, embalada pela concertina
uma mão enluvada no rude abraço de quem a confia e

outros pares lhe cobrem o rasto claro
fogo-fátuo apressado que o fluir do tempo não determina.

capitéis de pedra recebem o peso do arco que assinala a espera
e o rapaz não veste, como outrora, jaqueta negra
tilintam arrecadas de oiro, velhas beatas, ao cantar, desafinam.
(desabrocham roseirais vermelhos por cada passada)

e já o meu olhar se suaviza
e curva serena a levada.



o vermelho está em alta

ashes and snow

8.5.07


(caneta sobre papel, sem data)

quem me dera ser um rio
para poder acolher as tuas lágrimas
flores de lótus entrelaçadas
no curso sereno de todas as mortes que nos separam

quem me dera ser um rio
para assim me enebriar do teu corpo
erguido sob o voo dos corvos azulados
qual pira ardente turvando de vozes perdidas
o ventre de um céu adormecido

(e eu só queria ser um rio
e ser água apenas
para poder reflectir estrelas
antes sombras junto ao teu olhar agora inexistente)

mas eu não sei ser um rio

e o teu corpo é apenas
uma flor ensanguentada pela minha ausência

4.5.07




© emily young, wounded angel, kew garden

2.5.07




(caneta sobre papel, 1984)

© pedro morais

surdos os fogos, as águas que se amontoam
em cada movimento violento do teu corpo,
golfada de sémen que sorves como um suspiro,
de olhar encoberto,
de olhar desnudado,
erguendo nas minhas mãos geladas
os gestos que me interditaste,
fantasmagóricos como a luz desse princípio de tarde,
vorazes como o fim da manhã:
como qualquer fim.

movimentos soberanos na beleza obscura da sua inexistência,
atordoam o meu rosto
perdido pelo fugaz calor do arfar dos teus braços turvos de pena,
quem sabe se de paixão.

( o meu corpo só sabe ser branco como essa manhã que finda
e como ela a minha pele se desvanece com o entardecer:
com o teu cheiro não adormece,
sob os teus olhos não aceita morrer)

como se já outro tempo não houvesse
e só da morte se tratasse.

meu maio

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